Imunidade tributária para livros eletrônicos

Um assunto um tanto quanto recorrente no judiciário, e que de forma objetiva, influencia a sociedade, é a questão da imunidade tributária sobre livros digitais. Essa discussão sempre encontrou fundamento no próprio texto constitucional, em artigo o qual vamos tratar de forma mais específica em momento oportuno. Neste momento, o que se se demonstra um tanto quanto relevante é compreender o que é o instituto da imunidade tributária e qual é a sua importância sob um aspecto prático e de fácil compreensão.

Imunidade tributária ocorre quando a Constituição, ao realizar a repartição de competência, coloca fora do campo tributário certos bens, pessoas, patrimônios ou serviços. Na imunidade, não há fato gerador (fato que, materializado, invoca a obrigação tributária), só que não porque a lei não descreva o fato como hipótese legal, mas sim porque a Constituição Federal não permite que se encontre nos acontecimentos caraterísticas de fato gerador de obrigação principal.

Paulo de Barros Carvalho aprofunda o conceito de imunidade tributária: “As imunidades tributárias são aquelas previstas na Carta Magna Federal, nenhuma outra forma será aceita ou praticada. Essas imunidades apresentam uma função social, ou seja, foram desenvolvidas para que direitos sociais e fundamentais sejam respeitados e para que possam ser alcançados por todos os cidadãos do país.”

Desta maneira, compreendendo que imunidade tributária se perfaz como uma norma negativa ao exercício da competência tributária, norma essa que em sua gênese destaca a função social, passemos a análise deste instituto nos livros digitais.

Em primeiro lugar, cabe trazer à baila o dispositivo constitucional que pavimenta toda a presente e pertinente discussão.

“Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI – Instituir impostos sobre:

(…)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.”

                Numa primeira leitura do dispositivo acima, pode surgir o seguinte questionamento: Qual o motivo de se vedar a possibilidade de tributação de livros e jornais? Bom, de forma muito evidente, o legislador buscou, através desta norma, proteger a liberdade de comunicação, imprensa e a difusão cultural, uma vez que, na época, a comunicação por meio físico (impressos e livros) era dominante. Assim, o legislador incentivou a liberdade de expressão e a valorização da comunicação numa sociedade onde os meios de comunicação estavam efervescendo.

                Ocorre que, com os constantes e necessários desenvolvimentos tecnológicos, por óbvio, esta ideia de imunidade sobre livros deveria abarcar novos objetos. De forma objetiva, podemos falar acerca dos livros e mídias digitais como fontes atuais e preponderantes de comunicação e cultura. Contudo, essa discussão, por algum tempo se encontrou um tanto quanto controversa, e objeto de grandes debates no meio jurídico.

                Neste cenário, mais especificamente no ano de 2017, essa questão chegou ao STF, de forma contundente, em dois Recursos Extraordinários 330817 (sob relatoria do ministro Dias Toffoli) e 595676 (sob relatoria do ministro Marco Aurélio) os quais foram negados pela Suprema Corte em votação unânime, a qual entendeu que livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura são alcançados pela imunidade tributária do artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal. Para o colegiado, a imunidade tributária a livros, jornais, periódicos e ao papel destinado à sua impressão deve abranger os livros eletrônicos, os suportes exclusivos para leitura e armazenamento, além de componentes eletrônicos que acompanhem material didático.

                Cabe trazer à baila parte do julgado do RE 330817 da Suprema Corte, a qual de forma bem didática nos mostra o entendimento atual acerca do tema:


“(…)

A imunidade dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado a sua impressão não deve ser interpretada em seus extremos, sob pena de se subtrair da salvaguarda toda a racionalidade que inspira seu alcance prático, ou de transformar a imunidade em subjetiva, na medida em que acabaria por desonerar de todo a pessoa do contribuinte, numa imunidade a que a Constituição atribui desenganada feição objetiva. A delimitação negativa da competência tributária apenas abrange os impostos incidentes sobre materialidades próprias   das operações com livros, jornais, periódicos e com o papel destinado à sua impressão.

A interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos.

(…)

Quero dizer que a imunidade alcança o denominado “áudio book”, ou audiolivro (livros gravados em áudio, seja no suporte CD-ROM, seja em qualquer outro).”

                O final do trecho trazido expande um pouco mais o debate, pois o STF entendeu que a imunidade alcança também os livros gravados em áudio, e não apenas digitados.

                Por fim, cabe trazer à tona a recente súmula vinculante aprovada pelo STF (abril de 2020), a qual, tomando por base a jurisprudência firmada nas decisões dos RE’s citados anteriormente, aplicou a imunidade tributária à importação e comercialização, no mercado interno, dos livros eletrônicos e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los:

“A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.”

Texto de Saulo Feliciano

Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro. Pós graduado em Novo Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Graduado pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Advogado associado do Escritório Costa & Menezes Advogados.

Referências Bibliográficas:

  • Recurso Extraordinário 330817
  • Recurso Extraordinário 595676
  • Constituição Federal
  • Curso de Direito Tributário, Paulo de Barros Carvalho

Foto: Freepik.

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