A Notificação Extrajudicial como meio para revisar contratos diante do Coronavírus (COVID-19)

Ninguém poderia prever que um vírus paralisaria toda a economia global, afetando não só a saúde das pessoas, mas também seus aspectos sociais e econômicos.

No Brasil, uma crise nessas proporções é inédita. Nem mesmo a Segunda Guerra Mundial, terminada setenta e cinco anos atrás, ou a Crise Econômica de 1929, depressão generalizada da produção em quase todo o mundo industrializado, nos causaram tantos prejuízos.

Hoje vivemos um verdadeiro caos nas relações contratuais diante dessa total imprevisibilidade que não deu chances para as pessoas se prepararem para as consequências oriundas da paralisia econômica.

Diante dos efeitos desse cenário, muitos contratantes – pessoas físicas e jurídicas – têm buscado nosso escritório visando a revisão ou a resolução de seus contratos, motivo pelo qual passamos a falar sobre a importância da notificação extrajudicial como meio para viabilizar negociações.

Antes disso, deixamos claro que não estamos tratando dos riscos oriundos da política do mercado econômico, como a alta da inflação, o sobe e desce da bolsa de valores, ou o câmbio vacilante, a alteração desses fatores é previsível.

E mesmo que em alguns contratos houvesse previsão de calamidades, o ineditismo dessa circunstância gerada pela pandemia do Coronavírus (COVID-19) no Brasil a faz única, de modo que ela não se amolde a nenhum risco constante em cláusulas contratuais até então.

Ressalte-se ainda que nos contratos pós COVID-19 (pandemia por Coronavírus), tal situação não será mais interpretada como imprevisível, ante a falta do ineditismo.

Voltando à atual paralisação econômico/social, poderia aquele que se vê financeiramente impossibilitado de cumprir seus compromissos deixar de pagar alguma conta sem ser penalizado[1] com juros e multas? E mais, este poderia ainda renegociar ou cancelar (resolver) seus contratos?

A resposta é sim, mas vamos com calma!

Antes de qualquer atitude por parte desse prejudicado, a boa-fé determina que se dê ciência ao outro contratante, possibilitando que este se prepare ou até mesmo apresente uma solução que evite o descumprimento contratual.

A notificação extrajudicial é o instrumento próprio para isso, além de ter outras utilidades. Vejamos algumas delas:

  • Uma vez não respondida pelo notificado no prazo estabelecido, o coloca em mora no dever de renegociar;
  • Prova que o notificante tentou negociar, reforçando o interesse de agir em eventual ação judicial;
  • Documenta as provas de modo a tornar breve ou até mesmo a evitar eventual ação judicial;
  • Quando bem feita, evita interpretações duvidosas nas negociações ou nas novas pactuações;
  • Fomenta o acordo, vinculando as partes aos termos da proposta;
  • Quando realizada antes do vencimento da prestação, pode evitar que o notificante responda por juros, multas, e/ou outros encargos;
  • Pode estimular o devedor a quitar sua dívida, ou fazer com que um inquilino inadimplente desocupe o imóvel;
  • Pode resolver um conflito entre vizinhos.

Com a situação imposta pelo Coronavírus, a doutrina reavivou o debate acerca do “Dever de Renegociar”[2], especialmente sobre se a parte favorecida pelo desequilíbrio contratual pratica ato ilícito caso se negue a renegociar, abusando do seu direito, bem como se essa tentativa de rediscutir o contrato é requisito para eventual judicialização[3].

Em outro texto publicado no nosso blog – cujo link é: Contratos empresariais e COVID-19 (coronavírus): um pouco do dever de renegociação –, tratamos um pouco mais dessas questões.

Mas desde já, podemos dizer que a experiência com demandas judiciais nos deixa claro que o julgador tende a ver com bons olhos o direito daquele que tentou negociar, e que buscou resolver o seu problema na esfera extrajudicial[4].

Devemos lembrar que a nossa legislação filtra cada vez mais a judicialização de novas demandas. Certo ou errado, é fato que o Judiciário precisa desafogar seu sistema.

Pois bem, agora vamos mostrar diversas situações ensejadoras de negociações para, por exemplo, postergar pagamentos, suspender cobranças ou reduzir valores, de modo a revisar os contratos, ou até mesmo resolvê-los[5].

  • Aluguel de loja em shopping center. Não havendo a entrega da posse contratada[6], será discutido se os efeitos da paralisação das atividades fazem parte do risco do negócio[7], o que dependerá se a loja é de terceira pessoa ou do próprio shopping[8];
  • Aluguel residencial. Diferentemente do comercial, nesse caso a discussão seria em torno da postergação do pagamento pelo locatário;
  • Diminuição dos gastos dos condomínios comerciais, por estarem com o funcionamento restrito[9];
  • Fornecimento de serviços públicos de água, gás, luz, telefone, internet, dentre outros;
  • Fornecimento de ensino. Onde será debatido se escolas ou cursos conseguem manter o ensino via internet, bem como a redução do custo de tais instituições que adotarem o ensino à distância, sob pena de se consubstanciar um enriquecimento sem causa destas;
  • Financiamentos bancários e/ou imobiliários.

Em qualquer desses casos, o prejuízo daquele que pede a negociação deverá ter sido causado pelo isolamento social oriundo da pandemia, como bem foi tratado no texto Aluguel em tempos de Covid-19: o locatário pode deixar de pagar?, publicado em nosso Blog.

Nosso ordenamento jurídico permite a resolução ou a revisão contratual por intermédio de alguns institutos.

Um deles é a Teoria da Imprevisão, sobre a qual a doutrina discute se para a sua aplicação é necessária a presença de enriquecimento inesperado e injusto para o credor, além das circunstâncias imprevistas e imprevisíveis que fazem surgir uma onerosidade excessiva[10][11] para o devedor.

Outras exceções à obrigatoriedade contratual são o “caso fortuito” e a “força maior”[12], onde os efeitos de acontecimentos supervenientes e inevitáveis não estão ao alcance de uma pessoa zelosa prevenir ou impedir.

Já a quebra da base objetiva do contrato ou do negócio estará presente se apenas uma das partes sofrer os efeitos da crise econômica atualmente existente, devendo-se buscar um equilíbrio entre os contratantes.

Inúmeras são as situações que permitem a discussão do contrato.

Por exemplo, se um locador de imóveis ofertar seu bem para locação hoje, o valor do aluguel será igual ou superior ao valor anterior à presente crise?

Se a resposta for não, estaria este locador se enriquecendo às custas daquele locatário que contratou numa outra realidade ao tempo da pactuação, incorrendo em abuso do direito se não renegociar.

Todavia, se o valor desse aluguel aumentou ou não se alterou, faltará justo motivo para a redução do valor contratado.

Haverá o dever de renegociar tanto diante de questões pessoais – p. ex. um devedor que perde sua renda –, quanto se presentes aspectos objetivos – p. ex. impossibilidade de acesso ao imóvel locado –, casos em que ora se postergará pagamentos, ora se revisará valores.

Ressalte-se que todas as escusas utilizadas por aquele que pretende renegociar devem ser pertinentes aos fatos que as justificam.

Quanto à feitura da notificação extrajudicial, deve-se observar se o prazo a ser dado ao notificado está na lei, caso contrário, o mesmo deverá ser estipulado pelo notificante de forma razoável e proporcional.

As qualificações também são muito importantes, é através delas que se individualizará inequivocamente cada parte, para que, como já dito, sirva de prova futura.

É primordial usar de bom-tom na escrita, além de clareza, de modo que a notificação não tenha o indesejado efeito de inviabilizar um acordo.

A notificação pode ser enviada por e-mail ou por carta com aviso de recebimento, bem como ser protocolizada ou apresentada pessoalmente, ou ainda ser realizada via cartório, em casos que a lei assim determine.

Como vimos, não é tarefa fácil mitigar os danos causados à segurança jurídica dos contratos, mas por intermédio de advogados é possível compor entre os contratantes o seu equilíbrio, que deve ser premissa enquanto perdurarem os efeitos contratuais.

Lembrando que a “função social do contrato”[13] serve sempre como limite à autonomia da vontade quando esta afronta o interesse social.

As boas práticas tratadas nesse texto evitam a judicialização por inadimplementos contratuais, e consequentemente a aplicação de multas, gastos com advogados e com custas judiciais, além de evitarem aborrecimentos que em regra duram anos.

Afinal, aquele que negar à outra parte a atualização do equilíbrio contratual certamente terá prejuízos – seja por sua intransigência, seja por sua falta de solidariedade[14] –, ante à clara discrepância entre os momentos anterior e posterior ao isolamento social imposto pela pandemia.

O escritório Costa & Menezes se encontra apto a te orientar e buscar a melhor solução para o seu caso.

Entre em contato conosco!

Texto de Ricardo Menezes Cordeiro

Pós graduado em Estado e Direito pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Amperj. Pós graduando em Tributação, Previdência, Finanças Públicas, Responsabilidade Fiscal, Empresa e Contabilidade pela Universidade Cândido Mendes. Cursando Gestão de Futebol na CBF Academy. Sócio Fundador do escritório Costa & Menezes Advogados Associados e do Grupo LR Consultoria e Soluções – Assessorias Jurídica | Contábil | e de Gestão de Imóveis.

REFERÊNCIAS:

  • RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Contratos e atos unilaterais. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
  • ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 11ª edição. Salvador: Juspodivm, 2013.
  • SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio Contratual e o Dever de Renegociar. São Paulo: Saraiva, 2018.
  • MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Por uma Lei excepcional: dever de renegociar como condição de procedibilidade da Ação de Revisão e Resolução Contratual em tempos de Covid-19. Disponível em www.migalhas.com.br. Acesso em 29 de abril de 2020.
  • GAZIER, Bernard. A crise de 1929. Tradução. Porto Alegre: L&PM, 2009.
  • VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Fundamentos de Economia. 3ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2008.
  • CREPALDI, Silvio. Planejamento tributário: teoria e prática. 3ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
  • CRUZ, André Santa. Direito Empresarial. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.
  • PINHEIRO, Bruno. Controle de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.

[1] Código Civil – Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[2] Anderson Schreiber, Professor Titular de Direito Civil na UERJ, entende que a boa-fé objetiva dede estar presente inclusive na fase pós-contratual.

[3] Marco Aurélio Bezerra de Melo, Desembargador no TJRJ, propõe que o dever de renegociar pode ser objeto de uma regular determinação legal de requisito prévio ou uma condição de procedibilidade sem que se fira o acesso ao Judiciário.

[4] Código Civil – Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[5] Código Civil – Art. 421-A (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

[6] Código Civil – Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

[7] Se positivo, o locatário poderá invocar a “exceção do contrato não cumprido”.

[8] Lei das Locações (Lei 8.245/91) – Art. 22. O locador é obrigado a: (…) II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;

[9] Nesse sentido foi a decisão da 6ª Vara Cível da Justiça Paulista no processo nº 1008477-94.2020.8.26.0001.

[10] Código Civil – Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

[11] CDC (Lei 8.078/90) – Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

[12] Código Civil – Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.

[13] Código Civil – Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

[14] CRFB/88 – Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Crédito da imagem utilizada: Freepik

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