Contratos empresariais e COVID-19 (coronavírus): um pouco do dever de renegociação
CONTRATOS EMPRESARIAIS E COVID-19 CORONAVÍRUS UM POUCO DO DEVER DE RENEGOCIAÇÃO

Os efeitos que virão e serão sentidos pela economia brasileira em função da pandemia de Covid-19 (coronavírus) ainda não podem ser delimitados. Nas próximas linhas será mostrado que as mudanças não devem ocorrer somente nos hábitos do cotidiano da população, mas também ao tratamento destinado aos contratos.

No contexto atual, não será surpresa a pessoa jurídica que possui obrigações advindas de contratos, porém que se encontra com suas atividades encerradas e, naturalmente, sem recebimento de valores. O que fazer? Pois bem, as próximas linhas serão destinadas a apresentar específica postura dos empresários. (sem prejuízo de outras reflexões que constarão em futuros textos publicados nesse espaço).    

No que se relaciona aos contratos empresarias – sejam associativos ou híbridos -, já haviam assumido relevância no cenário empresarial, contudo, com o atual cenário empresarial de incertezas econômicas é natural que ganhem particular relevo quando pensarmos na redução de custos – que normalmente são consequências de relações contratuais. Não é novidade que tanto os bens materiais como os imateriais das empresas estão, de algum modo, representados por pactos formalizados em contratos.

São alguns os contratos empresariais, os mais comuns como os contratos de locação mercantil, de trespasse, de alienação fiduciária em garantia, de arrendamento mercantil, de factoring, de franquia, bancários, de seguro, de representação comercial etc. Contudo, o presente texto – por natural espaço – não focará em detalhar e analisar especificamente um contrato empresarial, tratará de forma ampla um caminho aos contratantes.  

Tentando iniciar a resposta para pergunta desse texto, numa natural – e antiga – leitura da relação jurídico-contratual, em eventual inadimplência de alguma obrigação contratual por uma das partes, o caminho da grande parte dos operadores contratuais, sobretudo do direito seria o de buscar resolução do contrato; ou ainda, tentar reequilibrar contratos aplicando-se as teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva. 

É sabido que o pacta sunt servanda é ponto certo sobre os contratos em geral. É de igual maneira conhecido que a alteração repentina e substancial de um contexto contratual poder mudar obrigações pactuadas, prestigiando a comutatividade dos contratos – e também, por que não, a justiça contratual -. A isso dá-se o nome de ‘teoria da imprevisão’.

O nosso sistema jurídico permite a aplicação da teoria da imprevisão que excepciona a regra do princípio da força obrigatória em sede contratual e que é representada pela chamada cláusula rebus sic stantibus. Direitos e deveres assumidos podem (e devem) ser revisitados caso haja alteração significativa e imprevisível nas condições econômicas que se apresentavam no início do vínculo contratual.

Nessa esteira, as soluções tradicionais seriam a da onerosidade excessiva para umas das partes, com o rompimento do equilíbrio contratual e se autorizando a revisão do contrato. Disso cuidou o artigo 478 do CC com a consequente autorização da resolução contratual. (Obviamente, deverá a parte que sofreu abalo econômico fazer prova da alegação).

Respeitadas doutrinas rechaçam a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos empresariais, sob o argumento da existência de mecanismos – nesse âmbito corporativo – como, por exemplo, a operação de hedge[1]. Os tribunais superiores também não são inclinados a considerar facilmente a teoria da imprevisão no ramo empresarial[2]. É nesse sentido, inclusive, os Enunciados 23 e, sobretudo, o 25 da I Jornada de Direito Comercial do CJF[3].

Não parecem ser suficientes a resolução contratual e a teoria da imprevisão – ainda que essa, acredita-se, seria vista com outros olhos no momento pandêmico do qual vivemos – para lidar com as adaptações que o momento pede. Teríamos que assumir uma espécie de onerosidade excessiva “universal e transitiva” ou de onerosidade excessiva “ao contrário” – afinal todos são companheiros nessa situação que pode ser chamada de “anormal anormalidade”.

Portanto, o remédio usual de resolução contratual – e não a sua manutenção – perde espaço para o esforço de umas das partes apresentar formalmente proposta de renegociação. 

A princípio, não parecem adequadas, resguardado a casuística de cada caso, as teorias, umas de mais de um século, outras mais recentes, invocadas para explicar o que se passa na seara dos contratos. Afasta-se – ressaltando que depende da situação específica – nesse momento a teoria da imprevisão, fato do príncipe, onerosidade excessiva, Hardship, Frustration, entre outras que foram concebidas para disputas convencionais.

O caminho nos parece outro.                  

DEVER DE RENEGOCIAÇÃO

A doutrina atual vem – acertadamente – defendendo a existência do dever de renegociar. Esse tal dever deve ser reconduzido ao campo da atuação mitigada. A boa-fé pode impô-lo em situações-limite, e parece ser essa característica a ser dada para a situação que todos vivenciamos. A boa-fé como dever puramente procedimental tem relevância substantiva: legitima eventual processo, acalma as partes, obriga-as a procurar soluções racionais e se pretende operar como a construção de um quadro de bom-senso.

O sistema jurídica brasileiro abraça, no âmbito do direito contratual, expressamente o princípio da boa-fé no artigo 422 do CC[4] – princípio da boa-fé objetiva. Através desse artigo foram aprovados Enunciados em Jornadas de Direito Civil do CJF, tais com os de números 168, 169 e 170, bem como o Enunciado 27 da I Jornada de Direito Comercial do CJF.[5]

É nesse cenário que a boa-fé deve intervir nas próprias negociações e fixar o limite para além do qual ninguém é obrigado a mantê-las. Deve ser observada em situações que ocorrem em cenários de incertezas na economia, observando deveres de segurança, de lealdade e, sobretudo, de informação, de modo a assegurar a tutela da confiança.

A alocação de riscos de que trata o artigo 421-A, II do CC definida pelas partes deve ser respeitada e observada, levando-se em conta, por exemplo, os investimentos realizados pelas partes e a oportunidade de reavê-los, sem prejuízo da obtenção dos lucros esperados. Tudo isso de acordo com a racionalidade econômica da interpretação da boa-fé prevista no artigo 113, V do CC[6].

Ao abrigo da boa-fé, as partes devem efetivamente negociar, procurando soluções. Não há elementos para construir um dever de contratar, vez que falta qualquer modelo de “contrato definitivo” que possa ser imposto. Todavia, funcionam deveres de lealdade, que fixam obrigações de disponibilidade, de atenção e de resposta, perante sugestões feitas.

Essa boa-fé leva a que, independentemente dos escritos enquadrados e dos estritos enquadramentos, as partes devem manter-se informadas, perante situações de dificuldade, iniciando contatos e, também, eventualmente, negociações.

O dever de renegociar – seja ele visto como dever jurídico ou meramente ético – estaria anexo ao dever da boa-fé objetiva – de forma implícita – e traduziria em ações das partes a conservação do negócio jurídico diante de fatos ocorridos que alteraram substancialmente as circunstâncias que se apresentavam no momento da formação do contrato – como ocorre nesses tempos de pandemia. Se assumirmos essa postura, os contratantes devem efetivamente renegociar, desde que com coerência e lealdade (consectário da boa-fé).[7]

Voltando ao questionamento inicial (o que fazer?), todas as instituições precisam se adaptar à crise. No campo dos contratos – do direito privado – deve-se buscar mecanismos que introduzam a possibilidade de negociação – oportunidade para, inclusive, lançar mão do recente negócio jurídico processual contemplado pelo CPC (tema a ser abordado em outra oportunidade).

Dessa forma, é essencial que, nesse momento, possamos nos resguardar de bons profissionais que tenham vínculo com as disposições contratuais.

O escritório Costa & Menezes se encontra apto a te orientar e buscar a melhor solução para o seu caso, seja você o credor ou devedor.

Entre em contato conosco!

Texto de Luiz Costa

Mestrando em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – FDUL. Pós graduando em Advocacia Societária pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI. Sócio Fundador do escritório Costa & Menezes Advogados Associados e do Grupo LR – Assessoria Jurídica | Contabilidade | e Gestão de Imóveis.

REFERÊNCIAS:


[1] Trata-se de operação específica usada, principalmente, no mercado de valores mobiliários (mercado de capitais). Basicamente, visa proteger determinado agente econômico quanto a eventuais riscos de uma operação futura sujeita a oscilações naturais do mercado. Em linhas práticas, serve, por exemplo, ao exportador que adquire, em época de colheita, mercadoria que será posteriormente vendida, como naturalmente esses preços irão variar, previne-se contra eventuais prejuízos vendendo a futuro na bolsa de mercadorias. Um pouco sobre a operação de Hedge, porém com foco na sua tributação, v. FIORENTINO, Luiz Carlos Fróes Del. Tributação das operações realizadas com finalidade de cobertura (hedge). Disponível em http://artigoscheckpoint.thomsonreuters.com.br/a/2uo0/tributacao-das-operacoes-realizadas-com-finalidade-de-cobertura-hedge-luiz-carlos-froes-del-fiorentino. Acesso em 22 de abril de 2020.

[2] Por todos v. STJ, REsp 437.660/SP. Relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. 4ª Turma. Julgado em 08.04.2003, especificamente no que se relaciona a variação cambial. Em decisão contrária do mesmo tribunal v. REsp 849.228/GO. Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. Julgado em 03.08.2010.

[3]A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada”.

[4]Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

[5] O nosso Código Civil prevê no artigo 113 a função da interpretação da boa-fé objetiva, dirigida a todos os negócios jurídicos – inclusive, os negócios jurídicos empresarias[5]. Tal dispositivo recebeu da MP 881 (convertida em Lei 13.874/19 – a lei da liberdade econômica) o § 1º e seus incisos onde se privilegia ainda mais tal princípio. No que concerne aos contratos empresarias não seria necessário esse complemento. Sabe-se que o Código Civil de 2002 unificou o tratamento destinado aos contratos civis e empresariais, aplica-se a teoria geral dos contratos prevista na codificação material. Embora, doutrina especializada e própria jurisprudência nos indique que contratos empresarias não devam ser tratados da mesma forma que contratos cíveis ou de consumo. No empresarial, o dirigismo contratual deve ser menor ou inexistente. É, inclusive, nesse sentido o Enunciado 21 da I Jornada de Direito Comercial, de autoria de André Luiz Santa Cruz Ramos: “nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”.

[6] Expressão que demandará de novas construções legislativas para defini-la.

[7] Dano concretude ao artigo 422 do CC: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”

Crédito da imagem utilizada: Freepik

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