Aluguel em tempos de Covid-19: o locatário pode deixar de pagar?

Pode o Locatário, simplesmente, deixar de pagar o aluguel alegando não poder mais arcar com o valor do contrato?

A resposta para essa pergunta é depende, uma vez que deve ser analisado o caso concreto, pois como sabemos, a situação de uma pessoa pode não ser a de outra. Em linhas gerais não poderá o Locatário, simplesmente, se valer de sua condição, momentânea, para resilir o contrato de locação.

Com base no art. 422 do Código Civil, tendo em vista os princípios da probidade e da boa-fé, para que seja mantido o equilíbrio contratual, não poderá o Locatário, simplesmente, romper o contrato alegando que não mais poderá suportar o valor convencionado na minuta locatícia. Mera alegação, sem prova não é o argumento para resilir a avença convencionada, expressamente, pelas partes.

Neste caso deverá o Locatário distribuir demanda própria para revisar o aluguel, ante a pandemia que assola o planeta, caso, mesmo tendo proposto acordo para redução do preço, este não seja aceito pelo locador.

Vale ainda consignar que, caso haja o não pagamento do aluguel na data estipulada, tal ato ensejará em ruptura do contrato de locação, bem como na possibilidade de ação de despejo. A alternativa mais viável, na atual conjuntura, seria a composição do impasse por meio de acordo entre locador e locatário para que haja a redução do valor a ser pago, enquanto perdurar a pandemia.

Importante salientar que não caberia a alegação do art. 478 do C.C., haja vista que, em uma simples leitura, o requisito da “extrema vantagem” inexiste, logo, impossível a alegação de onerosidade excessiva, em virtude de fato extraordinário e imprevisível. O contrato foi ajustado por determinado valor, logo, deverá ser cumprido pelo locatário com o adimplemento da obrigação.

Outrossim, o debate deve ser analisado caso a caso, pois em muitas situações, como por exemplo no caso de shopping center, a resolução do contrato decorrerá da leitura do art. 22 da lei 8.245/91, onde dispõe que o locador é obrigado a garantir o uso pacífico do imóvel durante a locação, o que não se verifica na atual conjuntura no que tange às unidades em que o próprio shopping center é o proprietário das lojas locadas.

Neste caso em específico, deve haver a ponderação e a razoabilidade, sendo suspenso o pagamento de forma total, enquanto perdurar a determinação advinda do Estado para o confinamento da população. Outrossim, deve ser ponderado que só poderá ocorrer a suspensão do pagamento de forma total, quando comprovado a redução significativa dos ganhos pelo locatário, em se tratando de único estabelecimento.

Caso não seja comprovada a redução dos custos do locatário, haja vista que muitos empresários possuem várias lojas em todo o Brasil, bem como que em alguns Estados os shoppings estão a funcionar normalmente, logo, o lucro de uma poderá arcar com os custos de outra. Nesta hipótese, como a situação é momentânea, entendo que a redução deverá se dar de forma parcial e não total, bem como de prova inequívoca quanto aos custos do shopping center para a sua manutenção, sendo certo que a prova dos custos do shopping será apenas para quantificar a redução do valor do aluguel.

Ainda quanto aos shoppings, vale consignar que em alguns casos, mesmo havendo a denominação de “shopping”, a bem da verdade figuram como condomínio, haja vista que as lojas foram adquiridas por terceiros, não sendo de propriedade do próprio shopping center, logo, não haveria que se falar em não pagamento das cotas condominiais e /ou de aluguéis cobrados pelos próprios proprietários a terceiros. Neste caso, a proposta de autocomposição do imbróglio seria mais eficaz, do que a propositura de demanda judicial, podendo ser convencionada a redução parcial, ou até mesmo total quanto a alugueres, com pagamento integral de condomínio e IPTU.

Algumas vozes já se posicionaram quanto a possibilidade da aplicabilidade do artigo 317 do Código Civil, na busca incansável de afastar o Direito do Locador na manutenção de cobrança dos valores convencionados pelo aluguel, o que se mostra imposição extrema, até mesmo porque há lei especial regulando as relações locatícias, sejam elas residenciais ou não residenciais. A lei 8.245/91 expõe as obrigações tanto do locador quanto do locatário, bem como da  previsibilidade de aplicação das normas do Código Civil, delineadas  no artigo 1º, parágrafo único e incisos da referida lei.

Logo, alegação de motivos imprevisíveis, como dito anteriormente, deve ser comprovado, cabendo ao judiciário a análise casuística e não aprioristicamente, ou seja, analisando cada caso e não aplicando a lei de forma abstrata.

Vale consignar que a mera alegação de que o COVID-19 impede na manutenção do contrato locatício é argumento desarrazoado, devendo ser provado todo o alegado. Meras alegações sem prova contundente de impossibilidade da continuidade do contrato, não são hábeis para que haja a ruptura contratual, tomando como base todos os princípios norteadores dos contratos locatícios, dentre eles o da boa-fé e do equilíbrio contratual entre as partes, bem como do projeto de lei 1.179, aprovado recentemente pelo Senado¹. Os requisitos para suspensão seja total ou parcial quanto a pagamento de alugueres ocorrerá quando for comprovada a impossibilidade de pagar ou na redução dos recebíveis pelo locatário.

Em tempos de COVID-19, quem age à luz da justiça, deve propor, primeiramente, tentativa de acordo por meio de notificação extrajudicial (a importância deste instrumento será objeto de texto futuro). Ouvir o inquilino sempre será a melhor saída, bem como a ponderação do locatário ao que se é proposto. Proposta desproporcional ou que vislumbra vantagem desmedida para quem pretende se desvincular dos termos do contrato, nunca será a melhor conduta. Quem pretende resilir contrato alegando COVID-19 quando não o é, estará impondo-lhe a própria sentença, qual seja, de manutenção das cláusulas contratuais sem redução do preço.

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Texto de Juliana Patrícia Alves de Medeiros, advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro, Pós graduada em Direito Civil e Processual Civil (UNESA), Direito Público e Privado pelo Instituto Superior do Ministério Público – ISMP e Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC -Rio. Advogada associada do Escritório Costa & Menezes Advogados.

REFERÊNCIAS:

  • Lei. 8245/91.
  • Código Civil/2002, art. 113, 317, 421-A, 421 422, 478, 565 à 578.
  • CRFB, art.5º, caput, XXII, XXIII.
  • Código de Processo Civil, art. 373.
  • Enunciado 176 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.”
  • VILLAÇA AZEVEDO, Alvaro. Inaplicabilidade da teoria da imprevisão e onerosidade excessiva na extinção dos contratos. Disponível em: link. Pág. 65.
  • AREsp nº 1005264 / MS (2016/0280372-3).

¹ Para que se torne lei, o projeto de lei 1.179 precisa ser aprovado também pela Câmara, bem como ser sancionado pelo presidente da República conforme expressa disposição dos artigos 61 à 67 da CRFB/88. O motivo de ter sido citado neste texto é apenas para conduzir a um raciocínio de que deve haver a comprovação da alegada impossibilidade quanto ao pagamento integral.

Crédito da imagem utilizada: Freepik.

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