Com a crise causada pela chegada do Coronavírus ao Brasil, o isolamento social foi determinado pelo Poder Público, o que, consequentemente, ocasionou na interrupção da circulação de bens, mercadorias e serviços, atingindo-se em cheio a atividade econômica empresarial.
Devemos deixar claro que não nos cabe discutir sobre o isolamento social, seja horizontal, vertical ou diagonal. O foco aqui é exclusivamente o Direito Tributário.
Para o empresário, cada minuto tem valor econômico, pois exerce profissionalmente, de forma habitual, atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, nos termos do artigo 966 do Código Civil Brasileiro.
A “Função Social da Empresa”[1] estará presente se dessa atividade resultar a criação de empregos, o recolhimento de tributos, a circulação de riquezas, bem como a realização de outros interesses difusos e coletivos.
Ocorre que, não bastassem os prejuízos causados pelo isolamento social às empresas proibidas de funcionar, os empresários passaram a sofrer com desinformações e inseguranças (profissional e jurídica), estabelecendo-se o seguinte problema:
Como fica toda a tributação suportada pelas empresas impactadas pelo Coronavírus (COVID-19)?
Antes de respondermos tal questão, estabelecemos que nesse texto não trataremos dos tributos que incidem sobre a atividade econômica (IPI[2], ICMS[3], ISS[4] e IOF[5]), bem como daqueles que incidem sobre a obtenção de renda, lucro, receita ou faturamento[6] (IRPJ[7], CSL[8], PIS[9] e Cofins[10]).
Quanto a estes a questão parece solucionada: sem atividade, sem receita, sem tributação!
O problema ocorre com a tributação que incide mesmo com as empresas paralisadas, quando estas nada produzem ou comercializam. (a problemática da manutenção dos empregos e do diferimento no pagamento de encargos trabalhistas será tratada em texto ainda não publicado).
Como exemplos, o IPTU[11] e o ITR[12], que têm como fatos geradores a propriedade, o domínio útil, ou até mesmo a posse de bem imóvel, cujos direitos são tributados permanentemente, não importando se a atividade empresária está sendo ou não neste exercida.
Seja a depender do uso do imóvel, ou quando há descumprimento da “Função Social da Propriedade”, a Constituição da República prevê a possibilidade de alteração da alíquota desses impostos, em caráter extrafiscal. [13]
E como é da natureza dos imóveis comerciais que neles se exerçam atividades empresárias, uma vez paralisadas tais atividades por determinação do Estado[14], ainda que por força maior, as excepcionais medidas acima mencionadas podem ser opostas ao fisco, tanto analogicamente, numa espécie de “descumprimento inverso da Função Social pelo Estado”, quanto diretamente, no caso de impedimento pelo Estado do uso do imóvel pelo contribuinte.
Defendemos também a aplicação dessa defesa quando o contribuinte econômico (aquele que suporta o pagamento do tributo, como o locatário) desses impostos não é o contribuinte de direito (sujeito passivo relacionado ao fisco). De igual modo, ao caso do IPVA[15] incidente sobre veículos utilizados para a atividade da empresa.
Também não deveriam ser cobrados, no período de inatividade econômica por determinação estatal, aqueles tributos que incidem sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, como as contribuições previdenciárias patronais ao INSS[16] e algumas contribuições de intervenção no domínio econômico.
Instalada a crise, muitas normas foram e estão sendo criadas prevendo facilitações fiscais nas esferas administrativas e judiciais. Dentre tantas, seguem algumas pertinentes às empresas ora tratadas:
- Resolução CGSN[17] nº 154 de 03/04/2020 que posterga em três meses o pagamento dos tributos apurados no âmbito do Simples Nacional;
- Portaria PGFN[18] nº 7820 de 18/03/2020 que estabelece as condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União;
- Portaria PGFN nº 7821 de 18/03/2020 que suspende no âmbito administrativo fiscal, o prazo para impugnações em geral nos processos, protestos, instauração de novos procedimentos de cobrança, inclusive de exclusão de contribuintes de parcelamentos por inadimplência;
- Portaria ME[19] nº 103 de 18/03/2020 que dispõe sobre medidas relacionadas aos atos de cobrança da dívida ativa da União, incluindo suspensão, prorrogação e diferimento;
- Portaria conjunta RFB[20] e PGFN nº 555 de 24/03/2020 que dispõe sobre a prorrogação do prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos e Positivas com Efeitos de Negativas relativas a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União.
Como as moratórias trazidas por essas normas apenas dilatam o prazo para pagamento dos tributos, o prejuízo persistirá, e cedo ou tarde essa conta chegará, se acumulando com as demais despesas ordinárias.
Por isso defendemos que mais justo seria a extinção dos créditos tributários já lançados através da remissão (perdão), bem como a exclusão por meio da isenção dos créditos por lançar.
Tais favores fiscais seriam concedidos por cada ente tributante, considerando-se o período da paralisação das atividades e as empresas por ela impactadas.
Caso isso não ocorra, a empresa ora prejudicada terá como fundamento em eventual ação anulatória de dívida tributária – a corroborar com os já mencionados descumprimentos pelo Estado da “Função Social da Propriedade” e da “Função Social da Empresa” – o seguinte instituto.
Trata-se da aplicação, analógica – por ausência de contrato entre o contribuinte e a administração pública –, da “Teoria do Fato do Príncipe”, pois embora baseado em força maior, fato é que o total isolamento social impossibilitou o cumprimento do dever de pagar tributos, não sendo razoável que o próprio Poder Público, que determinou o fechamento das empresas, lhes cobre os tributos referentes ao período inativo.
Segue abaixo trecho de uma decisão neste sentido:
Processo: 1016660-71.2020.4.01.3400 – 21ª Vara Federal Cível da SJDF – julgado em 26/03/2020.
“(…) não se pode negar que a origem da limitação financeira narrada pela parte autora está calcada em atos e ações deflagrados pela própria Administração Pública (quarentena horizontal). Permitindo, assim, reconhecer, por analogia, a incidência da Teoria do FATO DO PRÍNCIPE no caso em tela.
(…) O que se está reconhecendo é a possibilidade (precária e temporária) dela priorizar o uso da sua (atualmente) reduzida capacidade financeira (decorrente de ato da própria Administração – FATO DO PRÍNCIPE) na manutenção dos postos de trabalho de seus colaboradores (pagamento de salários etc.) e do custeio mínimo da sua atividade existencial em detrimento do imediato recolhimento das exações tributárias descritas na exordial, sem que isso lhe acarrete as punições reservadas aos contribuintes que, em situação de normalidade, deixam de cumprir a legislação de regência.”
Discordamos da alegação trazida por algumas PGE[21]`s de que o caso em tela não configura, analogicamente, o “Fato do Príncipe” por ter sido a pandemia declarada pela OMS[22].
Pois a questão aqui é resolvida pelo fato de não haver exteriorização de riqueza a ser tributada, não sendo o caso de se discutir o status constitucional dos atos emanados pela referida organização internacional, tampouco a soberania interna ou a culpa de seus estados membros.
É verdade que os tributos significam o ato de o fisco se apossar compulsoriamente de parte das riquezas produzidas pelos particulares.
Todavia, no Direito Tributário há um velho ditado que diz: “Onde nada tem, até o Imperador perdeu o seu imposto!”
Então, já justificado o porquê de as empresas paralisadas por ordem do Poder Público não poderem sofrer tributação, mostraremos a seguir como os empresários devem agir diante da incerteza gerada por essa crise sem precedentes em nosso País.
Bem, muitas normas estão sendo criadas dinamicamente, visando amenizar os danos aqui tratados, de modo a não nos permitir dar uma só resposta neste momento.
Certo é que os administradores das empresas prejudicadas deverão extrair ao máximo o conhecimento de seus advogados tributaristas e contadores, os quais necessitarão de constante e incansável atualização normativa.
Enquanto o Congresso Nacional decide se finalmente cria o Imposto sobre Grandes Fortunas, cuja permissão foi dada pela Constituição[23] desde 1988, recomendamos neste momento o respeito às orientações das autoridades públicas, mas nos mantendo atentos às normas que virão, bem como fazendo uso das normas vigentes.
Assim, mais do que nunca o Planejamento Tributário é a opção mais eficaz para se economizar no pagamento de tributos, sendo certo que aquelas empresas que realizam tal prática sentirão bem menos o impacto da presente crise.
No entanto, mesmo para as Pessoas Jurídicas ainda sem esse planejamento, o momento é oportuno para a Revisão Fiscal e para um bom plano de Recuperação de Créditos referentes aos tributos já recolhidos.
O escritório Costa & Menezes se encontra apto a te orientar e buscar a melhor solução para o seu caso.
Entre em contato conosco!
Texto de Ricardo Menezes Cordeiro.
Pós graduado em Estado e Direito pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Amperj. Pós graduando em Tributação, Previdência, Finanças Públicas, Responsabilidade Fiscal, Empresa e Contabilidade pela Universidade Cândido Mendes. Cursando Gestão de Futebol na CBF Academy. Sócio Fundador do escritório Costa & Menezes Advogados Associados e do Grupo LR Consultoria e Soluções – Assessorias Jurídica | Contábil | e de Gestão de Imóveis.
REFERÊNCIAS:
- CARNEIRO, Cláudio. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
- CREPALDI, Silvio. Planejamento tributário: teoria e prática. 3ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
- CRUZ, André Santa. Direito Empresarial. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.
- PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
- PINHEIRO, Bruno. Controle de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.
- RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal: comentários e jurisprudência. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016.
[1] CRFB/88, artigos 5º, XXII, XXIII e 170.
[2] Imposto sobre produtos industrializados.
[3] Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
[4] Imposto sobre serviços de qualquer natureza.
[5] Imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários.
[6] O STF, no RE 574.706/PR de 2017, assentou a definição de faturamento.
[7] Imposto sobre a renda da pessoa jurídica.
[8] Contribuição social sobre o lucro.
[9] Programa de integração social.
[10] Contribuição para o financiamento da seguridade social.
[11] Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana.
[12] Imposto sobre propriedade territorial rural.
[13] CRFB/88, artigos 5º, XXII e XXIII; 156, §1º, II; 182, §4º, II; 153, §4º, I e 185, p. Ú.
[14] Sempre nos referimos ao Estado em sentido amplo.
[15] Imposto sobre propriedade de veículos automotores.
[16] Instituto Nacional do Seguro Nacional.
[17] Comitê Gestor do Simples Nacional.
[18] Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
[19] Ministério da Economia.
[20] Receita Federal do Brasil.
[21] Procuradoria Geral do Estado.
[22] Organização Mundial de Saúde.
[23] CRFB/88, artigo 153, VII.
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